Por Carlos Juliano Barros é jornalista e mestre em Geografia pela USP.
A decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender todas os processos sobre pejotização, até que o STF (Supremo Tribunal Federal) chegue a um entendimento definitivo sobre o assunto, é o ponto mais agudo de uma longa crise cujo desfecho pode ser absolutamente radical: o esvaziamento da Justiça do Trabalho e o sepultamento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Dependendo da decisão a ser tomada, o STF pode promover uma nova reforma trabalhista, muito mais profunda do que a realizada em 2017 no governo de Michel Temer, mas sem a chancela do Legislativo e, principalmente, sem qualquer debate com a sociedade.
Afinal, por que um empregador se sentiria obrigado a contratar uma pessoa segundo os termos da CLT, pagando direitos como 13º salário e férias remuneradas, se a instância máxima da Justiça brasileira cravar que todo e qualquer contrato pode ser considerado uma forma de terceirização, incluindo os que claramente não passam de burla à legislação trabalhista?
Tem mais: na terceirização, os contratos firmados entre as partes têm natureza civil, e não trabalhista. Na prática, isso quer dizer que eventuais disputas judiciais deverão ser julgadas por magistrados da chamada “Justiça Comum”, que não têm treinamento e nem formação para entender o mundo do trabalho.
A canetada de Gilmar Mendes, o mais vocal crítico da Justiça do Trabalho, não é um movimento novo e isolado. Há pelo menos dois anos, a maioria dos ministros do Supremo — com exceção de Edson Fachin e Flávio Dino — vem derrubando decisões da Justiça do Trabalho que apontam fraudes, reconhecem o vínculo empregatício e determinam o pagamento de direitos, em processos sobre terceirização, pejotização e uberização.
Ao se basear no Tema 725 da própria corte, que autoriza a terceirização de todo tipo de atividade, os ministros estariam confundindo conceitos diferentes e jogando no mesmo balaio situações absolutamente distintas.
Como já definiu em entrevista à coluna a presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Luciana Conforti, “não se discute a possibilidade de a terceirização existir”. No entanto, o STF tem avançado o sinal e “alargando a sua jurisprudência”.
Isso impede a Justiça do Trabalho de avaliar caso a caso, de acordo com as provas, a ocorrência ou não de fraudes. Um dos principais exemplos é o dos profissionais supostamente autônomos contratados como PJs (pessoas jurídicas), mas que atuam como empregados subordinados de fato, com horário a cumprir e ordens a seguir. A prática é comumente utilizada para evitar o pagamento de impostos.
A inclinação do STF contra os direitos trabalhistas é tão evidente que empresas têm se sentido cada vez mais à vontade para pular etapas e acionar diretamente o Supremo. Isso vinha acontecendo até mesmo em processos de primeiro grau. Ou seja, antes de esgotar todas as instâncias recursais da Justiça trabalhista, empresas apelavam para uma “reclamação constitucional” no Supremo, por contarem com a vitória certa. Em 2024, o número de ações desse tipo cresceu 65% em relação ao ano anterior, segundo dados da própria corte máxima do país.
O STF já formou maioria para reconhecer “repercussão geral” no caso relatado por Gilmar Mendes. Traduzindo para o português do dia a dia: o que ficar decidido pelos ministros deverá ser seguido por todas as instâncias judiciais.
Nos últimos tempos, o STF já deu demonstrações suficientes de que pretende esvaziar a legislação e a Justiça trabalhista. Nenhuma novidade até aí. As surpresas ficam por conta do silêncio do governo do PT e da paralisia do movimento sindical.
Fonte: UOL
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